sábado, 11 de outubro de 2008

Deficientes Eficientes

Mercado de Trabalho

PROFISSIONAIS COM DEFICIÊNCIA: QUEBRANDO BARREIRAS

Eles não se conhecem e, mesmo sem saber, compartilham uma história muito parecida. Gildo Porfírio ficou paraplégico aos 21 anos; Alexandre Aguera ficou tetraplégico aos 15 anos. Ambos foram baleados. Gildo tem hoje 33 anos e mostrou - aos outros e a si mesmo - que não há motivo para deixar a vida parar antes que ela acabe. Ele era ainda muito jovem quando foi baleado e passou por muitas dificuldades até entender que precisava se recuperar e continuar vivendo. "Eu ainda tinha esperanças de voltar a andar, até que a médica me falou o diagnóstico e que era irreversível. Foi um baque, eu não queria fazer mais nada", conta. Mesmo com o susto e com o desânimo em imaginar uma vida totalmente diferente da que sempre teve, ele encontrou forças na família, respirou fundo e voltou a lutar. "Eu resisti muito até ceder e ir até a AACD. Comecei a fazer um acompanhamento e descobri que tinham várias outras pessoas em situações bem mais difíceis que a minha felizes, trabalhando. Foi quando eu acordei - comecei a trabalhar, a me reabilitar", lembra. Ele já passou por várias empresas e há um ano trabalha numa editora. Com sete meses de casa, Gildo recebeu uma promoção. Ele não pretende parar por aí. Sabe que está crescendo profissionalmente graças a seus esforços e pretende continuar seus estudos. "Eles reconhecem o meu trabalho. Eu ganhei uma promoção em pouco tempo. Fui para um departamento onde todos têm um curso superior e eu não posso ficar parado, preciso correr atrás também", afirma Gildo. Alexandre hoje tem 34 anos e está trabalhando, mas também já passou por muitas dificuldades até conseguir se reabilitar e aceitar as mudanças em sua vida. Ainda adolescente, foi difícil encarar a realidade e mais difícil ainda pensar em partir em busca de uma oportunidade no mercado de trabalho. "Foi bastante complicado voltar ao mercado, uma fase muito ruim. Eu tinha só 15 anos e estava tetraplégico. Não queria mais nada. Foi quando eu conheci a AACD e tive um apoio muito grande lá dentro", relembra Alexandre. Essa força que recebeu não só foi muito válida como também fez toda diferença durante a sua reabilitação. "Fui terminar meus estudos, fiz curso de Informática e depois de um bom tempo eu consegui acordar para a vida. Consegui um emprego na própria AACD, onde fiquei durante 10 meses, até que surgiu uma oportunidade melhor e eu aceitei". Hoje ele trabalha numa empresa multinacional de seguros como assistente administrativo. Gildo e Alexandre são apenas dois exemplos. Existem hoje, só no Estado de São Paulo, segundo a Delegacia Regional de Trabalho, aproximadamente 4,2 milhões de pessoas com deficiência. O número é muito alto e essas pessoas precisam de um espaço no mercado de trabalho. Por esse motivo, há mais de uma década, devido ao baixo número de profissionais com deficiência inseridos no mercado, viu-se a necessidade de criar a Lei de Cotas para deficientes. A LEI DE COTAS A Lei de Cotas (8.213/91) ficou sem regulamentação durante 14 anos. É uma lei de benefício da Previdência Social. No artigo 93, ela determina que empresas que tenham acima de 100 funcionários contratem pessoas com deficiência ou reabilitados em determinadas proporções. No mínimo dois, podendo chegar a 5% do total de funcionários da empresa. Em janeiro de 2001, a Lei foi finalmente regulamentada e a Delegacia Regional pôde começar a atuar. "No começo, nós tínhamos de vencer várias barreiras, principalmente a barreira da discriminação e do preconceito. A sociedade, num modo geral, entendia que as pessoas com deficiência eram incompetentes, incapazes para o trabalho. Mas à medida que elas foram entrando no mercado de trabalho, as empresas foram percebendo que elas são competentes e que são ótimas empregadas", diz a delegada regional do Trabalho de São Paulo, Lucíola Rodrigues Jaime. A Delegacia mantém, desde 2004, um programa pioneiro de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, com base na Lei de Cotas. Esse programa já garantiu a inserção de 73.760 trabalhadores. A delegada afirma que esse processo está ficando cada vez mais eficiente e que há oportunidade para todos. "Todas as pessoas com deficiência na cidade de São Paulo, que têm capacitação, estão disponíveis, querem trabalhar e aceitam ganhar até dois salários mínimos estão trabalhando", garante. "PACTOS COLETIVOS" A multa para as empresas que não cumprirem o número estipulado pela cota pode chegar a R$ 119.500, repetida a cada dois meses. Mas como o objetivo da Delegacia não é multar, mas sim conseguir inserir essas pessoas no mercado de trabalho, foram criados os chamados "Pactos Coletivos". O objetivo deles é ampliar a contratação das pessoas com deficiência. Esses pactos contam com a participação de sindicatos patronais e de trabalhadores, e por meio deles são buscadas alternativas para ajudar as empresas a cumprirem a legislação. Uma das medidas é a extensão dos prazos para a aplicação da multa. Em contrapartida, as empresas têm de desenvolver programas para a capacitação e criação de bancos de dados de pessoas com deficiência. "É possível, viável e os resultados são altamente satisfatórios. Sabemos que ainda há entraves, mas estamos buscando resolver isso", afirma a delegada e co-autora do livro "A Inserção da Pessoa Com Deficiência no Mundo do Trabalho". TRABALHO EFICIENTE A AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente tem um programa de inserção de profissionais chamado Trabalho Eficiente. "Nós acreditamos que não adianta o paciente vir para a AACD, fazer todo o processo de reabilitação, estar bem motoramente e psicologicamente e ir para casa. Então, nós só achamos que realmente se efetiva a reabilitação dele a partir do momento que ele é inserido no mercado de trabalho", explica a psicóloga e coordenadora do Programa Trabalho Eficiente, Marta Mendonça. Marta explica que a qualificação ainda é um empecilho para a inserção desse profissional no mercado de trabalho, apesar de admitir que a questão melhorou muito nos último anos. Ela busca, por meio do programa, números ainda melhores referentes a escolaridade e qualificação. "Existem algumas escolas que são nossas parceiras, que doam bolsas de estudo para as crianças, o que garante a elas um estudo até o ensino médio em ótimos colégios e com cursos avançados de Informática. Sabemos da competitividade do mercado de trabalho, então é necessário investir cada vez mais na educação e formação dessas pessoas", conclui Marta.



DIFICULDADE EM ENCONTRAR PROFISSIONAIS Muitas empresas que não conseguem cumprir a cota estipulada por Lei alegam quase sempre a mesma coisa: falta de profissionais qualificados no mercado. Apesar dessa dificuldade real, ela não é unânime. Há bons profissionais, mas há uma barreira que, muitas vezes, distancia o profissional com deficiência do mercado de trabalho: BPC-LOAS - Benefício Assistencial de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social. Esse benefício garante à pessoa com deficiência um salário mínimo mensal. Porém, para ganhá-lo, ela deve ser considerada totalmente inválida para o trabalho. Caso haja inserção no mercado de trabalho, ela perde automaticamente o benefício e deixa de recebê-lo mesmo que saia do emprego. Isso faz com que muitos optem por não voltar para o mercado e desistam automaticamente dos estudos e da qualificação "As pessoas com deficiência têm certa resistência a encarar o mercado justamente por conta desse benefício. A própria família segura muito. Então, isso é um grande empecilho para as empresas conseguirem encontrarem profissionais", explica Guilherme Bara, consultor do Instituto Paradigma. Segundo o coordenador do Programa de Qualificação Profissional do Instituto Paradigma, Danilo Namo, um outro fator que dificulta o encontro entre empresa e profissional com deficiência é o medo que esse profissional acabou adquirindo no decorrer do tempo. "Os profissionais estão passando por um momento de muita insegurança. A maioria está muito insegura. A gente vê um sentimento de cansaço, de batalhar e não conseguir, Por isso trabalhamos muito esse aspecto durante os treinamentos", diz. O MAIS IMPORTANTE É NÃO DESISTIR! Alexandre e Gildo são dois exemplos de quem acreditou e não deixou o tempo parar em meio às dificuldades impostas pela vida. Para eles, o mais difícil foi dar o primeiro passo. "Eu já passei por isso e sei o quanto é complicado ter de começar de novo. Comprometa-se, pegue firme, estude bastante, pois só assim você poderá conseguir um futuro brilhante", aconselha Alexandre. Gildo também deixa seu recado para aqueles que estão passando hoje pelo que ele passou há anos, quando, mesmo com barreiras, não desistiu. "Tem de pensar que a vida continua. Se você teve a oportunidade de estar vivo, agora só basta ter vontade de lutar, correr atrás. As portas estão abertas, mas é preciso ir atrás e ocupar o seu espaço", finaliza.